Janeiro Branco – Um convite à reflexão

Janeiro Branco – Um convite à reflexão

Por uma concepção ampla, coletiva e antimanicomial de saúde

A campanha Janeiro Branco tem como objetivo chamar a atenção da população, mídias e instituições sociais para os temas de saúde mental, aproveitando a simbologia de novas metas e recomeços, que o início de ano proporciona.

A página da campanha na internet diz que ela é aberta a reflexões que contribuam para o “seu crescimento, desenvolvimento, amadurecimento e enriquecimento”, e é nesse sentido que queremos estabelecemos um diálogo com a categoria e com a campanha.

Uma das motivações da campanha é a defesa de políticas públicas em saúde mental. Temos acompanhado nos últimos meses um desmonte das políticas públicas, de forma mais acirrada às de Saúde Mental: o retrocesso à lógica manicomial como política, a mudança de ênfase na política de Redução de Danos para a abstinência, o silêncio sobre os investimentos para os NASF são exemplos disso. Diante desse quadro, é necessário que afirmemos qual lógica de política pública de saúde mental defendemos, e se desejamos a forma como tem sido pautada.

Assim, precisamos agregar a esta campanha a discussão sobre a luta antimanicomial, a redução de danos, a defesa dos direitos fundamentais e a garantia do acesso à saúde universal e integral, unindo trabalhadoras(es), usuárias(os) e gestoras(es) do SUS. A Psicologia tem uma histórica defesa do SUS! É tempo de nos mobilizarmos e lutarmos contra os retrocessos!

Outro ponto que observamos baseia-se no documento “Óbitos por Suicídio entre adolescentes e jovens negros”, publicado pelo Ministério da Saúde (2018). O documento cita mudanças políticas e financeiras, conflitos interpessoais, discriminação, rejeição e perdas recentes ao descrever alguns contextos para o suicídio: a violação de direitos e a desigualdade social estão explicitamente relacionadas ao sofrimento psíquico. Desta forma, a garantia de direitos sociais são um dos principais promotores de saúde mental e, com isso, é necessário dar visibilidade e defesa não só às políticas de saúde mental, mas também a todas as políticas públicas que promovam equidade. É preciso, ainda, que esses direitos estejam sendo respeitados e garantidos nas clínicas e organizações privadas.

Devemos refletir, ainda, sobre as condições de trabalho às quais a maioria das(os) trabalhadoras(es) estão submetidas(os). Baixa remuneração e jornada de trabalho extensa, seja nas políticas públicas ou empresas privadas, provocam, muitas vezes, sofrimento psíquico, sendo necessário que também estejamos atentas(os) ao cuidado em saúde mental das(os) que são as(os) agentes promotoras(es) deste, bem como nos organizando coletivamente para lutar pela garantia de melhores condições de trabalho. No âmbito da Campanha Janeiro Branco, temos tido espaço para discutir como os ambientes e as relações de trabalho impactam a saúde mental?

A escolha da cor da campanha também é um ponto a ser discutido, visto que a cor diz de algo que muitas vezes não é nítido: a lógica higienista e o racismo. O branco remete à assepsia, à antiga política manicomial que centra em uma determinada profissão o saber sobre os “cuidados” e retira do sujeito a sua autonomia. Além disso, a cor utilizada como slogan reforça o racismo: o branqueamento como o saudável, o bem-estar, e esse reforço em um país racista como o Brasil é um ponto a ser questionado.

Ademais, a própria disciplina psicológica tem uma história marcada pelo chamado “racismo científico”, levando anos para discutir questões étnico-raciais e saúde mental. Remeter o cuidado à saúde mental a uma cor em específico, na nossa visão, reitera um lugar que não evidência as relações raciais.

Pelos motivos expostos, compreendemos que a promoção e o cuidado em saúde mental vão além de espaços ou temporalidade delimitados. Elas se fazem presentes nas relações interpessoais, no autoconhecimento, na garantia de direitos: saúde, educação, assistência, trabalho, segurança, habitação, etc. Saúde mental requer atenção o ano inteiro!

É necessário que compreendamos tais questões a fim de não centrarmos a discussão de saúde mental única e exclusivamente no sujeito, utilizando-nos de uma lógica higienista. Desta forma, entendemos a importância que têm campanhas como esta, mas compreendemos que tais reflexões são necessárias para o enriquecimento do debate, que não se esgota aqui, uma vez que as condições humanas e sociais vão se transformando.

Natal-RN, 22 de janeiro de 2019

V Plenário CRP-17

Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte
crprn@crprn.org.br

O CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 17ª REGIÃO é a entidade representativa da psicologia e do exercício da profissão de psicólogo com sede em Natal e jurisdição no Estado do Rio Grande do Norte.

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